BONECA de PAPELÃO
Eu só tinha bonecas de trapos
Feitas pela minha mãe
Ou pela Laudelina,
Dedicada costureira
Que vinha uma vez por semana
Consertar ou fazer de novo
As roupas de uso diário
Das pessoas de casa.
Bonecas que eu cobria
De panos de renda,
Que minha mãe guardava ,
Religiosamente ,
Nas gavetas da cómoda.
Esses panos de renda
Faziam de mantos reais
E transformavam
As minhas bonecas de trapos
Em princesinhas de sonho.
Mas um dia, há sempre um dia,
Meu pai trouxe-me um boneco,
O mais lindo boneco
Que eu jamais tinha visto.
Tinha roupinha bem talhada
Que fazia do meu boneco
Um elegante bébé
Como os bébés da gente rica.
Passava os meus dias
Vestindo ,despindo,
Despindo, vestindo
O meu menino.
Mas era preciso dar-lhe banho
Porque a sua mamã
Também tomava.
Então sem mais delongas
Despi-lhe suas roupas
E mergulhei-o no tanque do quintal.
Mas para meu espanto
Penoso, doloroso,
Eu assisti ao desfazer
Daquele corpinho delicado e tão perfeitinho
Nas águas impiedosas do tanque.
Por mais que eu quisesse
Agarrá-lo, mais ele me fugia
Das minhas pequeninas mãos.
Corri para casa ,
Chorando convulsivamente ,
Porque o meu menino ,o meu bébé ,
Tinha morrido afogado.
E nem sequer podia fazer-lhe o funeral.
A minha mãe consolou-me como pôde.
E na semana seguinte, meu pai troxe-me
Outro boneco igualzinho.
Apertei-o contra o peito
E nunca mais me separei
Do meu boneco.
Aquela perda terrível
Foi o meu primeiro desgosto.
Penso que desde pequenina
Eu percebi como é terrível
Perder-se alguém ou alguma coisa
Que se ama muito.
E sempre que a vida, impiedosamente,
Me faz passar por tal desgosto,
Recordo com saudade
O meu primeiro boneco,
Boneco de papelão,
Mas que tinha vida.
16 de Setembro de 2007
Adélia Barros