sexta-feira, 12 de outubro de 2007

A MATANÇA DO PORCO




Logo pela manhã,que grande azáfama reinava na minha casa!...
As empregadas colocavam ao lume os maiores potes de três pernas que havia na cozinha.Enchiam-nos de água, acendiam a lareira e esperavam que ela fervesse.
Na eira ,os homens que iam proceder à matança do porco,preparavam o banco onde o animal iria ser amarrado para o sacrifício.
Com tamanho burburinho que se fazia ouvir por toda a casa, não pude deixar de acordar.
Mal isso aconteceu, levantei-me ligeira, porque não queria perder pitada daquele ritual que se repetia todos os anos por altura do Natal.Esta época era escolhida, porque o frio que se fazia sentir, ajudava a conservar a carne fresca durante mais tempo.Corri para assistir aos preparativos.
Chegou então a hora de trazer o porco da pocilga para a eira.O animal ,que parecia adivinhar a sorte que o esperava, deu trabalho a agarrar. Depois de conseguirem trazê-lo até junto do banco,com muito esforço o deitavam e amarravam com cordas. Com estas andanças o bicho berrava que metia dó.
Quando estava tudo preparado para o sacrifício fugi para longe e tapei os ouvidos ,porque aqueles gritos lancinantes perturbavam-me.Achava que tudo aquilo era muito cruel, embora o meu pai me tivesse explicado que era uma crueldade necessária.Necessária, pois os porcos tinham de ser abatidos para que a sua carne fosse consumida pela família durante todo o ano. E ainda me fez compreender que estes animais tinham sido criados para esse fim e não havia outro processo para lhes tirar a vida.
Quando cessaram aqueles gritos aflitivos ,aproximei-me do campo de operações para presenciar os passos seguintes.
O sangue foi recolhido num grande alguidar onde coagolou.Foi levado para a cozinha onde iria ser cozido em potes de ferro.Daí a pouco surgiu uma empregada com uma enorme travessa cheia de bocados de sangue cozido e temperados com alho ,azeite e salsa picadinha.Como era bom esse petisco!
O pessoal da matança interrompeu os trabalhos para petiscar e beber uma pinguita de belo maduro tinto.
A tarefa que se seguiu foi a queima do pêlo do porco feita com paveias de carqueja a arder.Quando o pêlo estava todo queimado ,lavaram muito bem todo o animal e levaram-no para a despensa onde foi pendurado num chambaril que pendia duma trave do tecto.
Convém explicar que o chambaril era um pau grosso e forte , aguçado nas pontas ,para ser enfiado nos jarretes do porco quando se pendurava para se abrir e desmanchar.
Depois desta feita, procedeu-se à desmancha que consistia em esquartejar o animal e separar as várias peças de carne conforme o seu aproveitamento.
Parte da carne era salgada em grandes caixas de madeira, denominadas "salgadeiras".Outras partes eram destinadas aos enchidos e aos presuntos.Ainda havia aquela carne com que a minha Mãe fazia os saborosos rojões.Parte deles era comida fresca e outra parte guardada em potes de barro e coberta de pingue, isto é ,gordura do porco que foi derretida previamente.
EStes rojões eram comidos durante o ano acompanhados com umas batatinhas alouradas neste pingue.
Com o sangue a minha Mãe fazia uma iguaria que levava pão desfeito ,açúcar e mel. Era o "Sarrabulho".

Enquanto a minha mãe separava as carnes ,ia enchendo uns pratinhos com bocados de carne que eu e o meu irmão mais novo levávamos a cada uma das famílias vizinhas .Era uma tarefa que nos dava imenso prazer e disputávamos o maior número de casas que cada um conseguia visitar.

Não posso esquecer a satisfação que sentia ao ver o brilho daqueles olhos que fitavam os meus e me diziam:"ai menina ,que rica refeição vamos fazer no próximo domingo!Como eu gostava de ter um miminho para lhe dar !Diga à Mamã que muito obrigada e que Deus lhe dê em dobro o que ela precisar ."

Mas há um gesto que eu nunca esquecerei:"meu Avô paterno queria que fossemos os dois , meu irmão e eu ,a entregar-lhe o prato que a minha Mãe enchia generosamente daquela carne que ela achava ser mais tenrinha .É que o meu Avô já tinha muita idade e ,por conseguinte, os dentes fracos. E então o meu Avô brindava-nos com umas maçãs madurinhas e muito gostosas que ele conservava num friso de madeira junto do tecto e a toda a volta da sala.

Como ainda hoje me parece estar a saborear aqueles frutos deliciosos que ele guardava para nós com tanto carinho!
Hoje, pensando na forma bárbara de matar aqueles pobres animais, concluo que ninguém o fazia por barbaridade,mas sim ,porque ignoravam qualquer outro processo.
Costumes e modos de sobrevivência.

1 de Outubro de 2007

Adélia Barros



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