Há muitos ,muitos anos num pequenino povoado da aldeia de Barqueiros ,aldeia situada na margem direita do rio Douro,habitavam algumas dezenas de pessoas.Entre essas pessoas ,todas muito humildes e necessitadas,distinguiam-se duas muito especiais:avó e neto.
Viviam num casebre muito pobre a que eles pomposamente chamavam sua casa,porque era a única que conseguiam ter, dada a sua precária situação financeira.A avó era muito velhinha,cansada das agruras da vida , vergada ao peso dos anos e com muito pouca saúde.O neto ,de nome Francisco,era ainda muito pequenino para trabalhar.
Viviam com muitas dificuldades.A avó, para garantir o seu sustento e em especial o do neto do seu coração,percorria a sua aldeia e outras aldeias vizinhas ,pedindo ajuda.
Havia dias mais produtivos que outros,mas à tardinha,regressava sempre cansada e envergonhada da sua triste condição de indigente À porta de casa esperava-a ansioso e faminto o pequenino Francisco.Sempre a mesma pergunta:que traz aí ,avó ? Eu apanhei lenha na mata para a avó acender a lareira!
E os dois, de mãos dadas,dirigiam-se ao interior da casa.A avó pousava sobre a velha mesa de pinho o fruto da caridade humana que naquele dia se tinha compadecido dela.O Francisco remexia nervosamente aquele tesouro na esperança de encontrar alguma coisa que lhe matasse a fome.A avó, passando a sua mão enrugada pelos cabelitos do menino,com sua voz rouca dizia-lhe:
-Espera só mais um pouco e a avó vai fazer uma panela de sopa que irá consolar-nos, acompanhada da broa que me deu a vizinha.
E o Francisco esperava pelo manjar, contendo a saliva que lhe enchia a boca.
Comida a tão ansiada sopa que, quase sempre, tinha apenas alguma batata ,couves e era engrossada com farinha de milho,avó e neto deitavam-se na única cama que havia na casa ,rezavam as suas orações e adormeciam tranquilamente.
Na aldeia, no Inverno,as pessoas abastadas matavam os seus porcos que lhe garantiam a subsistência durante todo o ano. E havia sempre alguém que se lembrava da triste velhinha que fazia das tripas coração para que o seu menino tivesse todos os dias alguma coisa para comer,dando-lhe um bocadinho da carne do porco que matou.
Próximo do Carnaval,uma vizinha deu à avó do Francisco uma chouriça.Ela guardou o acepipe para comer no Entrudo,mas avisou-o:
-Olha que a chouriça é para comermos no Carnaval,está guardada no armário ,mas não lhe toques!...
Todos os dias a triste anciã saía para a sua rotina e o Francisco ficava em casa aguardando o seu regresso.De vez em quando abria o armário onde a chouriça esperava pelo Entrudo para fazer as delícias dos seus amigos.
Imagine-se o sacrifício que aquela criança fazia para resistir à tentação de saborear a chouriça
proibida! Mas tantas vezes abriu o armário,e certamente por vezes com muita fome,que um dia não resistiu e comeu o petisco.
Quando a avó se apercebeu do desaparecimento do tesouro, perguntou ao neto quem o tinha comido.Claro que o Francisco não confessava que tinha sido ele.A avó desesperava sempre que fazia a pergunta,mas obtinha sempre a mesma resposta:não fui eu.
Tinha de descobrir uma artimenha que fizesse o Francisco dizer a verdade.E conseguiu.
Lá em casa havia uma imagem de S. António muito antiga esculpida em madeira.Então a velha senhora chamou o neto junto da imagem e fez a pergunta:-S António quem comeu a chouriça? Esperou alguns segundos e ,com voz disfarçada ,ela própria deu a resposta:-Foi o Francisco.Perante esta resposta do santo ele não teve saída.Teve mesmo de confessar.
A avó deu uma valente sova no Francisco que ficou furioso com o S. António ,por ter descoberto o seu segredo e logo nesse instante jurou vingar-se.
No dia seguinte ,logo que a velhinha saíu ,o Francisco pegou na imagem ,meteu-a num saco de pano,amarrou-lhe uma corda,pô-la às costas e dirigiu-se à margem do rio Douro.Atirou-o à água para que se afogasse.Mas como a imagem tinha muitos anos ,estava toda carunchosa. Em vez de ir ao fundo como ele desejava, vinha à tona da água ,expelindo lufadas de caruncho como se estivesse a soprar.O Francisco desesperado com a situação repetia constantemente:-Tu, meu malandro até agora falavas e agora bufas?Mas tens de ir para o fundo do rio.Então puxou o saco para fora da água,abriu-o e colocou dentro uma grande pedra. Voltou a arremessá-lo para a água e desta vez estava vingado;o S.António afogou-se.
Regressou a casa e aguardou a chegada da avó.Esta ao dar pela falta da imagem, perguntou-lhe:
-Onde está o Santo?
Ao que o Francisco respondeu sem mais rodeios:
-Afoguei-o no rio!
A avó ficou sem palavras ,porque entendeu a atitude do neto.
O Francisco sentiu-se vitorioso e contou o seu feito a todas as pessoas da aldeia.A partir daí todos passaram a chamar-lhe o Afoga Santos.E esta alcunha passou para os filhos,para os netos e demais gerações que se lhe seguiram.
Ainda hoje em Barqueiros há descendentes do Afoga Santos que continuam a ser conhecidos por esse mesmo epíteto.
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