domingo, 16 de dezembro de 2007

PRIMEIROS TEMPOS NA ALDEIA ADOPTADA....







Minha aldeia natal pertence a uma das freguesias do concelho de Mesão Frio-Vila Marim.Aqui nasci,cresci e estudei os primeiros anos de ensino.Para poder continuar os estudos e concluir o curso que desejava,tive de estar interna num colégio em Lamego,cidade histórica e que,segundo alguns lamecenses, assistiu às primeiras cortes realizadas em Portugal.
De seguida, fui para Vila Real,capital da província Trás -os -Montes e Alto Douro.
Depois de formada, trabalhei dois anos na minha freguesia.Porém ,pelo casamento,fui viver para outra freguesia do meu concelho-Barqueiros.Aqui comecei a leccionar e ,portanto,esta aldeia passou a ser a minha ,por adopção.Nesta pequenina terra ,banhada pelo rio Douro,nasceram os meus filhos .Estes dois acontecimentos tão importantes da minha vida ,foram mais uma forte razão para me dedicar ,de alma e coração,a esta linda aldeia.
Barqueiros não é apenas uma linda aldeia, é uma terra de tradições e costumes muito antigos que ainda hoje se praticam.
Grande parte da população dedica-se à agricultura, vitivinicultura e à cultura de árvores de fruto,em especial os citrinos e boas cerejas.
O artesanato também tem muita importância na vida desta terra:os bordados e as rendas que são primorosamente executados pelas mãos das habilidosas mulheres deste cantinho;alfaiataria,cestaria, miniaturas de barcos rabelos e típicas castanholas que os participantes masculinos dos ranchos folclóricos manejam com destreza durante as suas actuações.
Barqueiros tem um rico património cultural e arquitectónico.São dois os ranchos folclóricos que se rivalizam.Quanto ao património arquitectónico podemos apreciar a Igreja Matriz, a Capela de Nossa Senhora da Conceição,casas senhoriais, o Pelourinho e o Cruzeiro.
Paisagens maravilhosas não faltam nesta aldeia ,com os pés no Douro e encimada pelo monte de S.Silvestre, que é dos mais lindos Miradouros dos muitos que abundam nesta região.
Quando vim viver para Barqueiros ,os barcos rabelos já não tinham a mesma utilidade de há muitos anos atrás.Eram apenas utilizados para fazer a travessia dos habitantes duma o doutra margem,quando necessitavam de qualquer serviço.
Desde 1792,data em que foi fundada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro,oa barcos rabelos começaram a ser utilizados para transportar o vinho do Porto,também denominado vinho Fino, feito das saborosas uvas cultivadas nas vinhas do Alto Douro que possuem um solo previlegiado e dotado de certas propriedades que permitem que esse vinho seja único em todo o Mundo.
Os marinheiros ,que trabalhavam nos barcos eram comandados pelo Mestre ou Arrais ,e a sua vida era muito dura desde o começo da viagem no Alto Douro até Vila nova de Gaia ,onde o vinho era armazenado para aí ser continuada a sua preparação.
Durante cada viagem, que durava vários dias, e às vezes semanas ,os marinheiros tinham de ultrapassar muitas dificuldades ,quer em terra, quer no rio.Em muitos lugares o leito do rio Douro tem cachoeiras e saltos que tornam o rio quase inavegável.Quando os barcos chegavam a esses sítios tinham de ser puxados por juntas de bois que actuavam nas margens ,auxiliando deste modo os marinheiros que dentro dos barcos lutavam como leões para levarem a bom termo as suas viagens.
Um dos locais em que o rio era muito perigoso ,era precisamente Barqueiros .Aqui o rio saltava de penedo em penedo e formava rápidos e cachoeiras difíceis de transpor.Só à custa de muito trabalho e muita Fé em Deus e em Nossa Senhora da Boa Passagem é que as suas fainas tinham êxito.
Num dos penedos que ladeavam as íngremes margens do Douro ,no lugar da Galeira, os mareantes cavaram um nicho onde entronizaram uma imagem de Nossa senhora da Boa Passagem.Sempre que qualquer barco passava naquele sítio , os marinheiros paravam o barco ,ajoelhavam e por alguns minutos faziam as suas preces.Essa imagem ainda hoje se encontra no nicho cavado há tantos e tantos anos e a fé dos Barqueirenses continua inabalável.
Os ranchos folclóricos são um bem cultural desta terra .Algumas danças e cantares referem- se a actividades agrícolas, como por exemplo as vindimas, e aos duros trabalhos dos mareantes e dos seus arrais. Os participantes dos ranchos cantam , dançam e tocam suas castanholas ,elaboradas por si próprios, com tal entusiasmo, que chega a comover quem assiste ás suas actuacções.
Não posso deixar de referir o nome de um dos filhos desta terra,Domingos Monteiro, no qual todos têm muito orgulho. Nasceu em 1903 e faleceu em 1980.Formou-se em Direito,foi um grande Escritor,Jornalista e Editor.Deixou vasta obra em prosa, em verso ,escritos representados em teatro e cinema.Apenas vou citar os títulos de duas obras suas : "Crepúsculo,"de poesia e "O Bem E O Mal"em prosa.Colaborou em Revistas,ajudou a criar as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian e tantas coisas que a seu tempo poderei falar em pomenor.
Vou falar mais um pouco do meu trabalho lectivo logo que cheguei à minha escola.
Estávamos no início do ano lectivo 53/54.Tomei a meu cargo treze alunos da 4ªclasse e ,se não estou em erro,mais de trinta e cinco da 2ª.Eu esperava o meu primeiro filho que nasceu daí a dois meses.Comecei o meu tabalho com tanto ânimo e tanta dedicação que a minha barrigona nunca me atrapalhou ,e posso dizer que até me dava mais força para levar a cabo os objectivos a que me tinha proposto. Era aquele coraçãozinho ,que batia dentro de mim ,que a cada momento parecia dizer-me:"Mamã, faz por estes meninos tudo o que puderes, dá-lhes todo o carinho e atenção que eles precisam.
Tive de trabalhar a dobrar ,porque aquelas crianças estavam atrasadíssimas.Mas o meu tabalho ,a minha exigência e a sua aplicação faziam verdadeiros milagres a cada dia.
O ano lectivo ia passando,agora com mais um assistente de grande peso,que a cada dia ia crescendo sob os meus cuidados e carinhos e com a dedicação dos meus alunos .
Chegou o fim do ano e dez alunos da 4ªclasse foram a exame .Escusado será dizer que todos eles prestaram boas provas e alcançaram a aprovação.Mas alguns deles foram aprovados com distinção.Já não me recordo do nome de todos os que se distinguiram pelas suas excelentes provas ,mas há um que nunca esqueci.E por que será que eu o lembro a qualquer momento,mesmo estando ele do outro lado do Oceano?Várias circunstâncias se aglutinaram para que ele seja o meu aluno de eleição.Além de ser aplicado trabalhador e atento era educado respeitador e um bom colega.No exame foi um dos alunos distintos.
Algum tempo depois de ter completado o Ensino Primário, embarcou para o Brasil encontrar-se com quatro irmãos mais velhos que lá residiam.Mesmo longe nunca me esqueceu, escrevia muitas vezes e eu correspondia a toda essa dedicação.
Fui professora de mais dois irmãos que foram igualmente alunos excelentes e em nada inferiores ao Manuel era este o seu nome.Mais tarde ,terminados os estudos,
foram juntar-se aos irmãos no Brasil, mas a exemplo do Manuel nunca perderam o contacto comigo.
Visitamo-nos algumas vezes ora cá ora lá.
Assim aconteceram os meus primeiros anos na minha aldeia, por adopção, que tem como Patrono S.Bartolomeu ,festejado todos os anos no dia vinte e quatro de Agosto.São festas muito animadas,quer sob o aspecto religioso, quer no que diz respeito a diversões populares.
Há outra celebração anual no dia oito de Dezembro ,dia de Nossa Senhora da Conceição .Na capela, que tem o seu nome ,celebra-se Missa e faz-se a cosagração de todas as mães a Nossa Senhora,Rainha de Portugal e Mãe de Jesus.
Recordo com saudades os tempos que aí passei e sobretudo o grande número de bons e dedicados alunos que passaram pela minha mão e tantas glórias me deram, prestando excelentes provas. Deixo um abraço do tamanho do Mundo a todos eles....
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19 de Dezembro de 2007
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Adélia Barros

1 comentário:

erreeme disse...

olá, meus pais nasceram em Barqueiros. Morreram no Brasil. Minha mãe morreu porque sofreu muito longe de sua terra e familia. Nunca se adaptou ao Brasil, foi um casamento onde não conhecia o noivo nem o que iria ter que sofrer. Pobreza, humilhação e solidão nisto se definiu sua vida nos 20 anos de Brasil. Eu sou o fruto de tanta tristeza.... Assim entendo que Portugal é um pais muito bonito, os milhões de turistas o confirmam. Barqueiros - uma aldeia de onde muitos migraram a procura de melhor qualidade de vida. Muitos nunca mais retornaram ou por que não quiseram ou porque não puderam.... este foi o caso deles. A familia de minha mãe composta de mais 3 irmãos não lhe ajudou ou porque não pode ou porque não quiz. Mas... não sabe a falta que fez.... minha mãe morreu de tristeza. Gosto de ver as paisagens de Barqueiros, e de Portugal como um todo. Mas..... são belas imagens enviadas através de um computador.

Permaneça com seu trabalho.
Que Deus lhe abençoe.